domingo, 22 de fevereiro de 2015

Da época de ouro da civilização islâmica a sua queda

Qual foi a causa da época mais brilhante da civilização islâmica e o porquê da sua queda e declínio? Vou tentar analisar nesse artigo.
Durante mais de 400 anos, a civilização árabe-muçulmana foi a dominante do mundo em termos de filosofia e ciência. A doutrina inicial do islã favorecia a ciência e as artes. Grandes obras da arquitetura como a cúpula da Rocha e a mesquita de Córdoba são os símbolos dessa era de grande prosperidade islâmica. Nas ciências e na filosofia, os árabes se apoderaram da ciência grega traduzida pelos cristãos sírios. Obras de Aristóteles, Ptolomeu e Galeno foram estudadas por essa jovem civilização com muita paixão e liberdade.
Uma grande influência para o movimento de fusão do pensamento do Corão com a ciência e filosofia grega foi a do movimento da escola islâmica de pensamento  chamada de Mu’tazila, que permitiu o islã construir uma civilização muito tolerante e aberta ao pensamento antigo. Mas o período mais florescente do islã vai além dessa escola.
Hospitais, escolas, mesquitas e Madrassas( a versão islâmica das universidades) foram construídos pelo império império Omíada e Abássida. Grandes nomes surgiram no campo da medicina, filosofia, astronomia, óptica e matemática. Podemos citar alguns deles:
Matemática: Al-Khwarizmi, que foi o responsável pela adoção pelos árabes dos algarismos Hindus. Sua obra de álgebra seria a mais importante durante a idade Média. De seu nome se originaram as palavras algarismo e álgebra.
Filosofia: Ibn Sina( Avicena). Médico de origem persa, escreveu a obra de medicina mais importante para a Idade Média Cristã, o chamado cânon de medicina. Foi também filósofo muito influenciado por Aristóteles e depois influenciou a filosofia escolástica.
Medicina: Al-Razi(Rhazés). Foi o médico mais famoso da Idade Média. De origem persa, escreveu diversas obras de medicina, inclusive sendo o primeiro a diferenciar a catapora do sarampo. Era também um químico avançado para o seu tempo. É um dos grandes nomes da ciência de todos os tempos.
Astronomia: Al Kindi e Alfraganus. Muito influenciados por Ptolomeu e sua obra Almagesto, escreveram  diversas obras de astronomia e óptica e tratados sobre o astrolábio.
Óptica: Aqui talvez esteja o maior nome da ciência islâmica da época: Ibn Al-Haitham, conhecido no ocidente como Alhazen. foi um dos primeiros a estabelecer o método científico. Sua obra Kitab al-Manazir ( livro de Óptica) foi muito importante para cientistas como Roger Bacon e os inventores dos óculos na Europa Medieval. Escreveu sobre sobre a  Luz das estrelas e da Lua, a natureza das sombras e diversos outros livros sobre Óptica que chegariam até Kepler.
Era uma civilização apaixonada pela escrita, medicina, matemática e filosofia. O que deu errado? Primeiro, eu creio, é que a civilização muçulmana não tem um intérprete oficial da sua religião e livro sagrado. O que no início foi uma vantagem enquanto os progressistas dominavam, tornou-se uma armadilha fatal quando surgiram os mais conservadores e reacionários, não tendo o islã uma autoridade central que pudesse mediar esse conflito.
Alguns dizem que esses grandes personagens citados não eram verdadeiramente muçulmanos mas eu não acredito nisso. Entre os cristãos muitos se diziam católicos ou protestantes mesmo não sendo, mas ninguém fica discutindo isso. O Corão é um livro completo, que trata de vários assuntos desde a religião até a política. No caos do início da Idade Média, essa ordem estabelecida pelo Corão foi uma grande vantagem para o islã em um mundo em que a desordem governava; também ajudou a grande riqueza dos impérios omíadas e Abássida, esse último em que reinou o lendário governante Harun al-Rashid.
Essa riqueza muçulmana era baseada em algo que havia praticamente desaparecido da Europa da alta Idade Média: o comércio, que na época dos Abássidas ia da Espanha até a Índia e China.
Por que houve a decadência da civilização Árabe?
Na minha opinião o livre exame do Corão foi a causa da decadência do islã. Quando movimentos conservadores tomaram de assalto a civilização árabe, não havia quem fosse uma autoridade central para defender a interpretação que garantisse a liberdade de pensamento e a Onipotência de Allah que não interferisse a produção da filosofia e ciência. Os conservadores como Al-Ghazali pregavam um Deus imanente que penetrava em todos os conhecimentos humanos tornando toda a investigação inútil. Foi o apego às tradições e o desejo de uma sociedade esclerosadamente conservadora que resultaram na decadência do islã. Se nós já sabemos tudo, temos a tradição, para quê avançarmos mais? Não é parecido com alguns pensadores de nosso tempo aqui mesmo no Brasil?
Podemos creditar ao filósofo Al-Ghazali a proeza da destruição de uma civilização que era progressista e com um grau muito bom de tolerância. Al-Ghazali rejeitava todo o conhecimento dos filósofos e dizia que os islâmicos deveriam voltar às origens, ou seja, tornarem-se conservadores e apegados à uma falsa tradição. Ele era do tipo que apontava o dedo  para os que julgava inovadores e os denunciava em sua obra.
Escolhas filosóficas erradas podem ser catastróficas para o destino das civilizações e países. A Europa Medieval soube escapar dessa armadilha pois nunca houve alguém para denunciar a filosofia antiga, e depois no renascimento, apesar da denúncia inútil dos papas, a filosofia seguiu seu caminho sem ser molestada. Os que queriam o progresso sempre foram os vencedores. O desafio agora é saber não cair na armadilha conservadora em termos de filosofia e moral. Se não prestarmos atenção, podemos estar nos condenando a uma sociedade paralisada, cheia de injustiças e com a crença de um Deus que tudo se ocupa, nada restando ao homem fazer.